A arte de se fazer cinema pop-cult

sexta-feira, 7 de março de 2008

O burguer-phone virou febre nos EUA
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“Juno” está sendo considerado o “Pequena Miss Sunshine” desta temporada. Isso porque é um filme de baixo orçamento (US$ 7,5 milhões) que se tornou sucesso de bilheteria (já arrecadou mais de US$ 113 milhões). Tal qual “Miss Sunshine”, o filme possui uma boa história e é conduzido de forma competente sem cair na cretinice de algumas produções de grande orçamento que povoam os cinemas todo ano. É o tipo de filme levinho, fofinho que te prende do início ao fim. Sem querer ser machista, mas já sendo, é o típico “filme de menina”. E não há nenhum demérito nisso.
O filme conta a história de Juno MacGuff, uma garota de 16 anos que engravida de seu melhor amigo após uma noite em que os hormônios falaram mais alto. Sabendo que não tem estrutura nenhuma para ser mãe de alguém e muito menos para praticar um aborto, a menina resolve doar a criança a um casal disposto a adotar o rebento.
O tema não é dos mais engraçados. Se pararmos para pensar, é até meio pesado. No entanto, o diretor Jason Reitman (do genial “Obrigado por Fumar”) faz com que tal dramaticidade não tenha vez no filme. E é aí que ele ganha pontos. Nos EUA, muita gente (leia-se: a crítica) ficou espantado com o filme por pensar que não existiam garotas como Juno na América. Não pelo fato de ela ser uma adolescente grávida que tenta doar o filho, mas sim pelo fato de a personagem ser super inteligente e ser totalmente diferente do adolescente médio dos EUA. E a graça do filme está toda aí.
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Interpretado brilhantemente pela encantadora Ellen Page, Juno é uma garota que faz questão de ser diferente, de destoar do todo. Toda desleixada, vestindo calça jeans e tênis all star, por vezes, ela até se assemelha na tela a um menino com seus maneirismos que ora lembram a tribo dos skatistas ora a de qualquer grupinho grunge dos anos 90.
As referências pop não param aí. Elas aparecem durante todo o filme seja pela parte visual, cheia de cores e personagens de visual pop-kistch seja pelo roteiro espertíssimo cheio de referências a bandas, discos e filmes. Não é a toa que sua roteirista (a ex-stripper Diablo Cody) venceu o Oscar deste ano na categoria de melhor roteiro (o filme recebeu 4 indicações, inclusive melhor atriz para Ellen Page – que acabara de completar 21 anos de idade).
É o tipo de filme que nasceu para ser pop. Foi pensado para se tornar febre. Cada frase matadora saída da boca de sua personagem principal foi criada para se tornar um bordão entre aqueles que assistem ao filme. Desde o telefone em formato de hambúrguer que Juno tem no quarto à roupinha de ginástica bizarra de Paulie Bleeker (o pai do bebê em questão), passando pela trilha sonora cheia de músicas fofinhas, foram pensados para se tornarem objetos de culto. E conseguem.
“Juno” encontra pares em filmes como “Amélie Poulain”, “O Cheiro do Ralo”, “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, os de Wes Anderson (especialmente “Os Excêntricos Tennembauns”) e os de Sofia Coppola (“Encontros e Desencontros” e “Maria Antonieta”, principalmente). Todos possuem em sua fórmula os mesmos deliciosos ingredientes capazes de fazer com que se tornem os “queridinhos” na cinemateca de todo apaixonado por filmes simples e de boas histórias. Conseguem arrumar um lugarzinho no hall dos filmes que serão sempre lembrados por sua originalidade, delicadeza e sagacidade.

Juno (2007)
Dir.: Jason Reitman

Trilha de Juno faz muito marmanjo dobrar os joelhos

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Durante a pré-produção de “Juno”, o diretor Jason Reitman quebrava a cabeça para tentar definir qual linha a trilha sonora do filme iria seguir. Foi então que perguntou a Ellen Page, protagonista do filme, que tipo de música ela ouvia quando tinha 16 anos. “The Moldy Peaches”, ela respondeu. Após ouvir a dica da moça o diretor gostou tanto do som que convidou Kimya Dawson, a metade feminina do Moldy Peaches, para fazer a curadoria de músicas da produção. Dito isto, dá para se ter uma noção de como é a trilha do filme, ou seja, cheia de músicas “desconhecidas”. Afinal, quem diabo é Kimya Dawson? Quem é Moldy Peaches?
Quase que totalmente desconhecidos do grande público, Dawson e seu Moldy Peaches alcançaram com o filme um grau de popularidade impensável para uma minúscula banda indie que já existia desde a virada dos anos 90 para os anos 2000.
Dawson fundou o Moldy Peaches ao lado de Adam Green, seu parceiro de composição, em meados da década de 90. Em 2001 conseguiram um contrato com o lendário selo Rough Trade para a distribuição de seus discos no Reino Unido e excursionaram abrindo para os Strokes. Em julho de 2003, Aaron Wilkinson, o guitarrista da banda morre por overdose de heroína e força a banda a dar um tempo. Inclusive, “Room on Fire”, o terceiro disco dos Strokes é dedicado à memória de Wilkinson. Após o fato trágico, tanto Kimya Dawson quanto Adam Green se lançam em carreiras solo. Isso não impediu que certo culto a sua antiga banda fosse crescendo nos subterrâneos do mundo indie fazendo o grupo ser citado como influência por várias bandas emergentes (especialmente as inglesas). Pete Doherty e seu Libertines se declaravam fãs dos Peaches e constantemente tocavam músicas ou dividiam o palco com algum ex-integrante da banda.
O folk “fofinho” do Moldy Peaches (representado pela deliciosa e grudenta “Anyone Else But You”) é acompanhado por outras músicas de artistas igualmente “fofinhos” e desconhecidos tais como Antsy Pants, Barry Louis Polisar, Mott the Hoople (em excelente versão de “All the Young Dudes”) e a própria Kimya Dawson com cinco canções. Na ala dos mais famosos estão Buddy Holly, Cat Power (fase “Moon Pix”), Belle & Sebastian, The Kinks e Velvet Underground. Repertório tão bom rendeu ao disco o primeiro lugar na Billboard, desbancando Alicia Keys. Fato raro para uma trilha sonora de filme.
Durante o filme, em uma das melhores cenas, a personagem principal comete a heresia de chamar Sonic Youth de “apenas barulho”. Ironicamente, na trilha eles aparecem com sua versão classuda para a breguinha “Superstar”, dos Carpenters. Outra coisa legal no filme é que as músicas realmente ajudam a contar a história. Não estão ali apenas como pano de fundo para determinada cena. A música é tocada com em volume alto de forma a fazer com que a platéia perceba a razão de ela ter sido inserida ali, naquele momento.
Enfim, a trilha segue a mesma linha pop-cult-indie do filme. Ideal como presente de dia dos namorados ou para aquela pessoa de quem se gosta. O dueto que Ellen Page e Michael Cera fazem de “Anyone Else But You” é apenas a cereja do bolo.

Faixas:

01. Barry Louis Polisar - All I Want Is You
02. Kimya Dawson - My Rollercoaster
03. The Kinks - A Well Respected Man
04. Buddy Holly - Dearest
05. Mateo Messina - Up The Sprout
06. Kimya Dawson - Tire Swing
07. Belle & Sebastian - Piazza, New York Catcher
08. Kimya Dawson - Loose Lips
09. Sonic Youth - Superstar
10. Kimya Dawson - Sleep
11. Belle & Sebastian - Expectations
12. Mott The Hoople - All The Young Dudes
13. Kimya Dawson - So Nice So Smart
14. Cat Power - Sea Of Love
15. Kimya Dawson & Antsy Pants - Tree Hugger
16. The Velvet Underground - I'm Sticking With You
17. The Moldy Peaches - Anyone Else But You
18. Antsy Pants - Vampire
19. Michael Cera & Ellen Page - Anyone Else But You
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O conto de fadas na era moderna

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno [El Laberinto del Fauno, Guillermo del Toro, 2006] muita gente pode se sentir com uma pontadinha de depressão. Não dá pra esperar nada além disso, afinal de contas, Labirinto é um conto de fadas. E não se engane, esse é o conto de fadas em sua concepção original.

O conto de fadas original não é aquele que seu pai e sua mãe costumavam contar pra você na hora de dormir – aquelas cheias de princesas, príncipes e o diabo a quatro - onde no final tudo acaba bem. Nada disso. O conto de fadas original foi criado na idade média, onde os panos de fundo mais comuns eram fome, guerra e miséria. Eram, na realidade, histórias de terror. Não é a toa que a classificação etária para esse filme é 16 anos.

Mas não estamos na Idade Média. Estamos no século XX. E Guillermo del Toro nos conta a história de uma garota que é fascinada por histórias de fantasia e que na Espanha de 1944 é levada para a casa de seu padrasto, um oficial militar fascista subordinado do general Franco. E nesse caso fica fácil perceber que a madrasta cruel dos clássicos foi substituído por um padrasto inescrupuloso.




O amigo... da onça

A tal casa fica em uma floresta, e nessa floresta existe um labirinto de pedras. E é nesse labirinto de pedras que Ofélia encontra pela primeira vez o Fauno. Faça as contas: uma garota sem amigos, isolada do mundo por uma vasta floresta em um período de guerra. Não fica difícil perceber que tudo o que a garota precisava era um amigo.

E aí o clima do filme – que já era dark – cai em trevas quase que profundas. O Fauno além de se mostrar amigo, a reverencia como uma princesa de um reino subterrâneo. E a entidade lhe passa três tarefas para que ela pudesse ser levada ao seu reino. E uma garota ingênua como a nossa Ofélia vai sempre ficar encantada com uma coisa dessas e vai cumprir as três tarefas com o maior prazer.

É nessa hora que a gente percebe que Guillermo del Toro é um monstro. No roteiro é possível encontrar elementos de contos famosos, como João e Maria e Alice no País das Maravilhas [que eu só fui perceber depois de uma forçinha] e as famosas histórias dos sapos que beijam as princesas. E a maneira como Del Toro separa os mundos real e fantástico e aos poucos vai os fundindo é simplesmente sensacional. E, sempre lembrando que como esse é um conto de fadas original, as coisas ficam complicadas para a nossa protagonista, interpretada muitíssimo bem pela jovem Ivana Baquero.

Falando em questões técnicas, a coisa vai melhor ainda. A fotografia do filme é qualquer coisa de sensacional, conduzindo o filme eficientemente da maneira como ele foi pensado pra ser - dark. O roteiro, pelo que já pude dizer, é genial [e não ganhou o Oscar, mas o Oscar já ficou caduco há tempos]. Os cenários são de cair o queixo. E esse é um filme essencialmente latino: falado integralmente em espanhol e sendo uma produção México / Espanha, o que é inspirador.

É difícil explicar por que é que o filme se tornou sucesso de público e de crítica, afinal é um conto de fadas. Mas é um conto de fadas genial. Também não é exagero dizer que o filme atingiu o status de obra de arte. Uma obra de arte que pode [talvez] encontrar alguma semelhança distante em Os Irmãos Grimm, de Terry Gilliam.

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno você vai sacar que não foi a toa que o filme ganhou três Oscar e vai sacar porque ele foi aplaudido por 22 minutos após sua exibição em Cannes. E também vai se perguntar se é saudável contar histórias fantásticas ao seu filho na hora de dormir. Medo. Muito medo.



O Labirinto do Fauno (2006)
Guillermo del Toro











Save the cheerleader. Save the world.

sábado, 16 de fevereiro de 2008



Essa frase, dita por Hiro Nakamura, já se tornou popular o suficiente para que seja reconhecida em qualquer lugar onde ela seja pronunciada. Ela se transformou no slogan da série que se transformou no hype do momento desde o ano passado: Heroes.

“De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, “Será que chegamos ao limite da evolução humana?”, “Será que Darwin ainda está entre nós, gritando?”. Essas são algumas das perguntas que você pode vir a fazer a você mesmo enquanto assiste algum dos 23 episódios da primeira temporada, que terminou aqui no Brasil no final do ano passado.

A série conta a história de pessoas – inicialmente comuns – que se descobrem especiais, como por exemplo, um programador de computador que pode quebrar a barreira espaço/tempo; um enfermeiro que mimetiza habilidades dos outros; e até uma cheerleader gostosa que possui regeneração espontânea. E aos poucos eles descobrem que... precisam salvar o mundo, começando com evitar uma explosão em Nova York. Tá, tá na cara que a primeira impressão é a de que é uma cópia carbono de X-Men. Mas existem algumas diferenças básicas que diferenciam as duas obras.

Primeiro, a série não trata seus protagonistas como mutantes. Suas alterações genéticas são consideradas os primeiros indícios da evolução – mostrando que os mais evoluídos é que vão sobreviver [tio Darwin e a seleção natural de novo...]. Segundo, por mais que eles tenham poderes especiais, eles não se intitulam como um grupo sólido de “super–heróis”, como a Liga da Justiça [vixe...], e não usam aqueles collants que todo grupo de super-heróis tem.


O futuro segundo Isaac Mendez



A série sempre tem aquela pergunta que nunca é respondida, como em todas as séries de ficção científica, e também vários misteriozinhos menores que são desvendados a cada página virada. Um dos pontos altos da série são as pinturas de Isaac Mendez, que prevê o futuro. A cada pintura dele, três perguntas surgem na cabeça de quem assiste a série: “Como?”, “Por quê?” e “Quando?”, e talvez seja esse o fio condutor genial da série, aquilo que prende a atenção e garante o retorno do espectador no próximo episódio.

Pra falar a verdade essa série divide muitas opiniões. Há quem a ache sensacional e há também quem a ache pura bobagem ficcional. Mas o lance é que a série não se tornou hype a toa: ela tem à sua disposição todos os elementos para que isso acontecesse. O único problema, talvez, seja o excesso de personagens sem ter muito o que fazer para o bem da série. Alguns personagens estão interligados de tal maneira que em certos momentos você percebe o excesso e se pergunta: “pra que criaram esse personagem?”, pois eles não fazem a menor falta. Pra quem acompanha, vai aí um exemplo: pra quê serve a família Sanders? Acho bom haver um propósito para a sua existência na segunda temporada, senão...

Isso à parte, Tim Kring [o mestre controlador das marionetes] conduziu com maestria toda a história, revelando seus segredos no momento certo e cometeu um único [e broxante] erro: o último capítulo armou a barraca direitinho pro confronto mais esperado durante toda a primeira temporada da série. E quando rolou, a reação da galera foi uma só: POOOOTZ. E não foi no bom sentido.

A segunda temporada começou em janeiro no canal pago da Universal e é agora que a gente vai poder conferir se Heroes ainda consegue segurar a peteca lá no alto. Mas é bom lembrar que a [finada] greve dos roteiristas ferrou um pouco com os planos da galera. Só que é bom entender, também, que isso está longe de ser considerado desculpa.


Heroes (2006/2007)
Tim Kring












A equação do cinema nacional

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O filme “Meu nome não é Johnny” é um caso para se pensar. Sucesso de público em 2008 (foi o primeiro filme nacional do ano a alcançar a marca de um milhão de espectadores), levanta questões sobre a produção nacional de filmes. Explico. Orçado em R$ 6 milhões de reais – um padrão alto para as produções nacionais - o roteiro do filme é baseado no livro homônimo de Guilherme Fiúza que conta a história real de João Guilherme Estrella, um rapaz da classe média carioca que “perde o controle” e que, além de consumir, começa a traficar drogas a ponto de se tornar um dos maiores traficantes dos anos 90, no Brasil. João Estrella foi preso e passou dois anos atrás das grades.
Como se pode notar, a trama não é das mais originais - talvez por ser uma realidade presente na agenda diária dos telejornais do país e seguir a mesma linha de produções anteriores (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”) e atuais (“O Gangster”, atualmente em cartaz). Porém o roteiro batido não é desculpa. Pode-se fazer filmes excelentes sobre qualquer coisa. Tudo depende da execução. E é exatamente nesse ponto que “Meu nome...” peca. É mal executado. Em certos momentos, os diálogos soam artificiais e abusam dos clichês. Frases como “não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar” e motes batidos como “foi até o inferno, mas voltou” são freqüentes e utilizados, inclusive, no material promocional do filme.
Não chega a cair no pseudo-cinema característico da Globo Filmes, mas se sustenta num pé só. Os clichês cinematográficos também são usados ao extremo com planos e seqüências que remetem a obras melhores e anteriores para representar a fase do consumo de drogas (“Bicho de Sete Cabeças”), do encarceramento (“Quase dois Irmãos” e “Carandiru”) e da porra-louquice (”Cazuza”) do protagonista. O protagonista, aliás, é que carrega o filme nas costas. Selton Mello, sempre excelente, parece não ter conseguido repetir o mesmo desempenho de papéis anteriores, mas mesmo assim proporciona as melhores cenas do filme. A discussão que “Meu nome...” levanta não é a do consumo/tráfico de drogas como pode parecer. Esta discussão, aliás, nem é levada em conta pelo diretor Mauro Lima. Ele deixa evidente que não é esse o objetivo do filme.
O grande ponto de interrogação aqui é: “qual a importância de um filme como este na produção cinematográfica nacional?”. Alguns responderão que ajuda a popularizar o cinema num país que ainda não possui uma indústria de filmes sólida. Outros dirão que é importante para o brasileiro se ver e se reconhecer na tela. Tudo bem, mas qual é o valor do filme enquanto “obra artística”? É difícil compreender, uma vez que filmes como “Santiago” de João Moreira Salles, por exemplo, tenham apenas duas cópias sendo exibidas para um país de quase 180 milhões de pessoas enquanto “Meu nome...” está em praticamente todo o país com um investimento de R$ 6 milhões de reais para produção. Até quando os cineastas nacionais estarão sujeitos a boa vontade do governo e medidas de isenção de impostos para a realização de suas obras? Será que apostar na equação “divertimento fácil + público + bilheteria = consolidação da indústria” é o melhor caminho?“Meu nome não é Johnny” até vale para um momento de descontração. Mas para ser considerado cinema, ainda falta muito. O zoom no rosto de Selton Mello no momento da condenação de seu personagem só comprova isso.
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"Meu nome não é Johnny" (2008)

Dir.: Mauro Lima









Os primórdios de Kurumada

domingo, 10 de fevereiro de 2008


Caso você tenha curtido tanto quanto eu o DVD da Saga de Hades – e ficou interessado em saber mais sobre a história de amizade entre Shion e Dohko e a guerra santa anterior a essa, aproveita pra caçar na banca o novo mangá Lost Canvas – que foi lançado no Japão em 2006 - e na minha modesta opinião, um dos melhores do ano passado.

Lost Canvas é um prequel [e o prequel virou moda desde que nosso amigo George Lucas resolveu contar a historinha de Anakin Skywalker, a.k.a Darth Vader] e traz como protagonistas Tenma - o primeiro cavaleiro de Pégaso -, Shion de Áries e Dohko de Libra, e conta a história do envolvimento deles e de outros cavaleiros na guerra santa ocorrida na Europa de 1743. Durante a antiga guerra, o espírito de Hades reencarnou em Aaron [ou Alone], o melhor amigo do cavaleiro de Pégaso.

O mangá ganhou esse nome em referência à capacidade artística do hospedeiro de Hades, que enquanto pinta um retrato de seu melhor amigo, sai em busca do “vermelho real”, que Aaron diz ser o “vermelho como o dos olhos de Tenma”. Acompanhando a história, aos poucos se percebe o real significado do tal vermelho real.

Dessa vez, Massami Kurumada [o pai das crianças] resolveu cuidar apenas do argumento do mangá, deixando a arte por conta da mangaka Shiori Teshirogi e é, de longe, um dos maiores destaques, que cria um traço levemente “desencanado” e extremamente estiloso – e ao mesmo tempo, completamente diferente do traço de Kurumada. E na minha modesta opinião, bem mais legal.

Aliás, Tenma e os antigos cavaleiros de ouro – à exceção, claro, de Shion e Dohko – lembram terrivelmente Seiya e os dourados atuais, que dizem ser um pedido de Kurumada, que acredita no conceito da reencarnação, o que é um tanto broxante, pois seria muito mais interessante conhecer cavaleiros diferentes do que uma réplica dos cavaleiros atuais – cópia inclusive de temperamento. Thumbs down nesse sentido.



Familiar? Isso não é mera coincidência


Já ouviu Afrodite gritar “Espinho Carmesim”? Ou Máscara da Morte gritar “Acubens”? Ou então Aldebaran gritar “Titan’s Nova”? Pois é, são golpes que ninguém nunca viu na vida, o que nos leva a crer que os antigos dourados tinham um leque muito maior de habilidades do que os dourados atuais. A conclusão é: eles eram muito mais fodões. Thumbs up, aqui!

Agora, tio Kurumada é um mestre. O roteiro dele é ao mesmo tempo igual e diferente a tudo o que é referente a CdZ. Diferente porque ele criou personagens e mundos muito mais complexos, elevando a história a um nível muito mais competente do que os 114 episódios originais do anime. E isso dá a base para os problemas que mais tarde vão ser resolvidos na pancadaria. É um page-turner natural.

Infelizmente ainda não dá pra saber pra onde vai a história, porque ela ainda está saindo lá no Japão – semanalmente na revista Shonen Champion [um capítulo por semana, atualmente no capítulo 71]. Já no Brasil, a Editora JBC está lançando os tankohon, um apanhado X de capítulos. O lançamento é bimestral e o futuro é promissor.


Saint Seiya - The Lost Canvas

Editora JBC

Um epitáfio musicado para Warhol

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

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Em 1989, Lou Reed resolveu botar as desavenças com John Cale de lado e se uniu ao ex-companheiro de Velvet Underground para um disco. Não, não era a reunião da clássica banda (que chegou a acontecer brevemente em 1993 e 1996). Era para fazer um disco em homenagem ao amigo e ex-empresário/ financiador do VU, o artista plástico Andy Warhol que havia falecido dois anos antes.
Ao lado de Bob Dylan, Lou Reed ocupa o Olimpo na arte da “poesia jornalística” já que suas letras conseguem retratar personagens, situações e o zeitgeist de uma época tal qual uma reportagem sem deixar de lado o lirismo e a riqueza de vocabulário de um poema. Pode-se dizer que Reed e Dylan são uma espécie de Truman Capote e Tom Wolfe do rock.
Numa descrição rasa “Songs For Drella – A Fiction” poderia ser descrito como uma espécie de ópera-rock minimalista composta apenas de guitarra, piano e viola. Outros diriam que nada mais é do que um disco-tributo ou um disco-biografia. Na verdade o disco é tudo isso e mais um pouco. Trata-se de um álbum que ora pende para a homenagem, ora para o registro de fases da vida de Warhol, ora para um clima meio “expurgação de demônios” de Lou Reed. Esta última faceta é acentuada se levarmos em conta o relacionamento turbulento entre “biógrafo” e “biografado”. Por mais que Lou Reed diga a torto e a direito que trata-se de um disco-homenagem ficcional, é óbvio que não é bem isso. O adendo no título da obra é mero detalhe.
Esta turbulência entre ambos começou já nos primeiros anos de vida do Velvet Underground quando Warhol (que empresariava o grupo) praticamente obrigou Lou Reed a aceitar o sotaque germânico da cantora Nico no álbum de estréia da banda. Reed nunca foi a favor da idéia, mas acabou cedendo. Aceitou, mas nunca perdoou Warhol por isso.
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Warhol & Reed: uma relação conturbada

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À medida que o Velvet ia ganhando respeito e que Lou Reed ganhava fama por si só com sua carreira solo, mais ele esnobava e se distanciava do artista plástico única e exclusivamente com a intenção de provocar ciúmes no instável Warhol.
Apesar da famosa generosidade de Warhol, ele e Lou Reed possuíam traços de personalidade em comum. Ambos são tachados como “amáveis porcos egoístas, egocêntricos e centralizadores” – quem leu “Mate-me por favor” ou assistiu a “Factory Girl” tem uma noção do que estou falando. O ‘Drella’ do título era um apelido de Andy Warhol, um neologismo criado para retratar a personalidade andrógina do artista, uma mistura de Drácula e Cinderella.
“Songs For Drella” tem sim seus momentos ficcionais como prega Lou Reed (talvez quando algumas canções são conduzidas como se o próprio Warhol as estivesse cantando), mas parecem tão reais que é difícil acreditar que sejam 100% inventados. O disco segue uma linha quase cronológica abrindo os trabalhos com a bela “Small Town” em que Lou Reed utiliza brilhantemente sua língua afiada para retratar com uma delicadeza pesada o sentimento de desajuste na traumática infância de Warhol enquanto John Cale utiliza o piano para dar um toque erudito à canção. “De onde veio Picasso? / Não existe Michelangelo vindo de Pittsburgh (...)/ Quando você cresce numa cidade pequena / Com a pele ruim, olhos ruins, gay e gorducho/ as pessoas acham graça de você/ A melhor coisa de uma cidade pequena/ é que você sabe que tem que dar o fora”, diz a letra.
A já citada generosidade de Andy Warhol é retratada em “Open House”, numa referência direta à Factory, o estúdio/ atelier do artista onde qualquer pessoa podia ser uma estrela, ter os seus quinze minutos de fama. Ao mesmo tempo, a fragilidade emocional de Warhol também é citada. “Dou pequenos presentes às pessoas, assim eles se lembrarão de mim”, confessa o artista personificado na voz de Lou Reed.
A importância e poder do dinheiro na arte é o tema central de “Style it Takes” com um belo e irônico jogo de palavras de Reed cantadas por John Cale. “You've got the money, I've got the time/ You want your freedom, make your freedom mine/ (…)'Cause I have the style it takes/ and you know the people it takes”, em inglês mesmo que é para não perder o sentido.
“Work” é uma espécie de conversa entre Reed e Warhol acerca da obsessão deste último pelo trabalho. Já “Trouble With Classicists” trata do preconceito que as obras de Andy sofriam por parte dos mais conservadores. “O problema de um classicista é que ele olha para uma árvore/ Isso é tudo que ele vê/ Ele pinta uma árvore/ O problema de um classicista é que ele olha para o céu/ Ele não pergunta por que/ ele apenas pinta um céu”, alfineta a letra.
A angústia da rejeição de Hollywood pelos filmes “imorais” de Warhol é o tema de “Starlight”. “Faces And Names” versa sobre a insegurança do artista acerca de sua aparência. “Se todos parecessem a mesma pessoa, e todos tivessem o mesmo nome/ Eu não teria inveja de você/ e você não teria inveja de mim”.
Dois terços do disco dedicam-se basicamente a fatos e passagens da vida de Warhol. Mas é nas suas últimas cinco canções que o álbum realmente ganha razão de existir e Lou Reed resolve se desarmar e tocar em temas delicados. Temas como a tentativa de assassinato que Warhol sofreu em 1968 ao levar três tiros de Valerie Solanis – uma feminista radical que participou de alguns de seus filmes e que cometeu o crime sob a alegação de que Warhol “exercia muito controle” sobre sua vida (Lennon /Chapman alguém?). O atentado quase matou Warhol e o deixou com seqüelas (físicas e emocionais) pelo resto da vida.
Em “I Believe”, além de narrar todos os passos de Solanis no dia do crime, o carrancudo Reed ainda faz um mea culpa pelo fato de não ter deixado as picuinhas de lado e não ter ido visitar o amigo no hospital. “Nobody But You” trata do medo e angústia da morte pela qual Warhol passou durante o período pós-atentado – ele sofreu com sangramentos das cicatrizes durante os quase vinte anos de vida posteriores ao ataque.
A música mais impressionante de todo o álbum, entretanto, é “A Dream”, onde John Cale – amparado por um arranjo sombrio, quase fúnebre – lê uma espécie de reflexão de Warhol, já moribundo em seu leito de morte, acerca de sua trajetória pessoal e artística. A “música” termina com Cale suspirando como se estivesse morrendo. Aqui o lado mais assustador do Velvet se faz presente.
Na época do lançamento do disco, muitos pensaram se tratar de partes extraídas de um diário real de Warhol. Lou Reed, no entanto, diz não ser verdade e que foi ele quem inventou o texto. Real ou não, o fato é que no dito cujo vê-se um Warhol ressentido pelo fato de Reed não tê-lo convidado para seu casamento e de sempre ignorá-lo em público. “Eu odeio Lou, de verdade”, diz um Warhol rancoroso. Se terminasse aí o disco já seria merecedor de entrar para a lista de clássicos da música popular do século XX. Porém, Lou Reed ainda consegue surpreender mais uma vez e compõe a mais bela canção do álbum. Em “Hello, It’s Me” ele expurga todos os seus demônios e escreve uma verdadeira carta de amor em primeira pessoa a Warhol, pois segundo explica na canção, os diários de Andy não são um epitáfio digno. Poucas vezes foi possível ver Lou Reed tão dócil como aqui. Aposto que Drella ficaria feliz com a homenagem. Qualquer um ficaria.
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* "Songs For Drella" - Lou Reed & John Cale (1989)
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Abaixo o vídeo de Reed & Cale tocando "Small Town"