A arte de se fazer cinema pop-cult

sexta-feira, 7 de março de 2008

O burguer-phone virou febre nos EUA
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“Juno” está sendo considerado o “Pequena Miss Sunshine” desta temporada. Isso porque é um filme de baixo orçamento (US$ 7,5 milhões) que se tornou sucesso de bilheteria (já arrecadou mais de US$ 113 milhões). Tal qual “Miss Sunshine”, o filme possui uma boa história e é conduzido de forma competente sem cair na cretinice de algumas produções de grande orçamento que povoam os cinemas todo ano. É o tipo de filme levinho, fofinho que te prende do início ao fim. Sem querer ser machista, mas já sendo, é o típico “filme de menina”. E não há nenhum demérito nisso.
O filme conta a história de Juno MacGuff, uma garota de 16 anos que engravida de seu melhor amigo após uma noite em que os hormônios falaram mais alto. Sabendo que não tem estrutura nenhuma para ser mãe de alguém e muito menos para praticar um aborto, a menina resolve doar a criança a um casal disposto a adotar o rebento.
O tema não é dos mais engraçados. Se pararmos para pensar, é até meio pesado. No entanto, o diretor Jason Reitman (do genial “Obrigado por Fumar”) faz com que tal dramaticidade não tenha vez no filme. E é aí que ele ganha pontos. Nos EUA, muita gente (leia-se: a crítica) ficou espantado com o filme por pensar que não existiam garotas como Juno na América. Não pelo fato de ela ser uma adolescente grávida que tenta doar o filho, mas sim pelo fato de a personagem ser super inteligente e ser totalmente diferente do adolescente médio dos EUA. E a graça do filme está toda aí.
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Interpretado brilhantemente pela encantadora Ellen Page, Juno é uma garota que faz questão de ser diferente, de destoar do todo. Toda desleixada, vestindo calça jeans e tênis all star, por vezes, ela até se assemelha na tela a um menino com seus maneirismos que ora lembram a tribo dos skatistas ora a de qualquer grupinho grunge dos anos 90.
As referências pop não param aí. Elas aparecem durante todo o filme seja pela parte visual, cheia de cores e personagens de visual pop-kistch seja pelo roteiro espertíssimo cheio de referências a bandas, discos e filmes. Não é a toa que sua roteirista (a ex-stripper Diablo Cody) venceu o Oscar deste ano na categoria de melhor roteiro (o filme recebeu 4 indicações, inclusive melhor atriz para Ellen Page – que acabara de completar 21 anos de idade).
É o tipo de filme que nasceu para ser pop. Foi pensado para se tornar febre. Cada frase matadora saída da boca de sua personagem principal foi criada para se tornar um bordão entre aqueles que assistem ao filme. Desde o telefone em formato de hambúrguer que Juno tem no quarto à roupinha de ginástica bizarra de Paulie Bleeker (o pai do bebê em questão), passando pela trilha sonora cheia de músicas fofinhas, foram pensados para se tornarem objetos de culto. E conseguem.
“Juno” encontra pares em filmes como “Amélie Poulain”, “O Cheiro do Ralo”, “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, os de Wes Anderson (especialmente “Os Excêntricos Tennembauns”) e os de Sofia Coppola (“Encontros e Desencontros” e “Maria Antonieta”, principalmente). Todos possuem em sua fórmula os mesmos deliciosos ingredientes capazes de fazer com que se tornem os “queridinhos” na cinemateca de todo apaixonado por filmes simples e de boas histórias. Conseguem arrumar um lugarzinho no hall dos filmes que serão sempre lembrados por sua originalidade, delicadeza e sagacidade.

Juno (2007)
Dir.: Jason Reitman

Trilha de Juno faz muito marmanjo dobrar os joelhos

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Durante a pré-produção de “Juno”, o diretor Jason Reitman quebrava a cabeça para tentar definir qual linha a trilha sonora do filme iria seguir. Foi então que perguntou a Ellen Page, protagonista do filme, que tipo de música ela ouvia quando tinha 16 anos. “The Moldy Peaches”, ela respondeu. Após ouvir a dica da moça o diretor gostou tanto do som que convidou Kimya Dawson, a metade feminina do Moldy Peaches, para fazer a curadoria de músicas da produção. Dito isto, dá para se ter uma noção de como é a trilha do filme, ou seja, cheia de músicas “desconhecidas”. Afinal, quem diabo é Kimya Dawson? Quem é Moldy Peaches?
Quase que totalmente desconhecidos do grande público, Dawson e seu Moldy Peaches alcançaram com o filme um grau de popularidade impensável para uma minúscula banda indie que já existia desde a virada dos anos 90 para os anos 2000.
Dawson fundou o Moldy Peaches ao lado de Adam Green, seu parceiro de composição, em meados da década de 90. Em 2001 conseguiram um contrato com o lendário selo Rough Trade para a distribuição de seus discos no Reino Unido e excursionaram abrindo para os Strokes. Em julho de 2003, Aaron Wilkinson, o guitarrista da banda morre por overdose de heroína e força a banda a dar um tempo. Inclusive, “Room on Fire”, o terceiro disco dos Strokes é dedicado à memória de Wilkinson. Após o fato trágico, tanto Kimya Dawson quanto Adam Green se lançam em carreiras solo. Isso não impediu que certo culto a sua antiga banda fosse crescendo nos subterrâneos do mundo indie fazendo o grupo ser citado como influência por várias bandas emergentes (especialmente as inglesas). Pete Doherty e seu Libertines se declaravam fãs dos Peaches e constantemente tocavam músicas ou dividiam o palco com algum ex-integrante da banda.
O folk “fofinho” do Moldy Peaches (representado pela deliciosa e grudenta “Anyone Else But You”) é acompanhado por outras músicas de artistas igualmente “fofinhos” e desconhecidos tais como Antsy Pants, Barry Louis Polisar, Mott the Hoople (em excelente versão de “All the Young Dudes”) e a própria Kimya Dawson com cinco canções. Na ala dos mais famosos estão Buddy Holly, Cat Power (fase “Moon Pix”), Belle & Sebastian, The Kinks e Velvet Underground. Repertório tão bom rendeu ao disco o primeiro lugar na Billboard, desbancando Alicia Keys. Fato raro para uma trilha sonora de filme.
Durante o filme, em uma das melhores cenas, a personagem principal comete a heresia de chamar Sonic Youth de “apenas barulho”. Ironicamente, na trilha eles aparecem com sua versão classuda para a breguinha “Superstar”, dos Carpenters. Outra coisa legal no filme é que as músicas realmente ajudam a contar a história. Não estão ali apenas como pano de fundo para determinada cena. A música é tocada com em volume alto de forma a fazer com que a platéia perceba a razão de ela ter sido inserida ali, naquele momento.
Enfim, a trilha segue a mesma linha pop-cult-indie do filme. Ideal como presente de dia dos namorados ou para aquela pessoa de quem se gosta. O dueto que Ellen Page e Michael Cera fazem de “Anyone Else But You” é apenas a cereja do bolo.

Faixas:

01. Barry Louis Polisar - All I Want Is You
02. Kimya Dawson - My Rollercoaster
03. The Kinks - A Well Respected Man
04. Buddy Holly - Dearest
05. Mateo Messina - Up The Sprout
06. Kimya Dawson - Tire Swing
07. Belle & Sebastian - Piazza, New York Catcher
08. Kimya Dawson - Loose Lips
09. Sonic Youth - Superstar
10. Kimya Dawson - Sleep
11. Belle & Sebastian - Expectations
12. Mott The Hoople - All The Young Dudes
13. Kimya Dawson - So Nice So Smart
14. Cat Power - Sea Of Love
15. Kimya Dawson & Antsy Pants - Tree Hugger
16. The Velvet Underground - I'm Sticking With You
17. The Moldy Peaches - Anyone Else But You
18. Antsy Pants - Vampire
19. Michael Cera & Ellen Page - Anyone Else But You
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O conto de fadas na era moderna

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno [El Laberinto del Fauno, Guillermo del Toro, 2006] muita gente pode se sentir com uma pontadinha de depressão. Não dá pra esperar nada além disso, afinal de contas, Labirinto é um conto de fadas. E não se engane, esse é o conto de fadas em sua concepção original.

O conto de fadas original não é aquele que seu pai e sua mãe costumavam contar pra você na hora de dormir – aquelas cheias de princesas, príncipes e o diabo a quatro - onde no final tudo acaba bem. Nada disso. O conto de fadas original foi criado na idade média, onde os panos de fundo mais comuns eram fome, guerra e miséria. Eram, na realidade, histórias de terror. Não é a toa que a classificação etária para esse filme é 16 anos.

Mas não estamos na Idade Média. Estamos no século XX. E Guillermo del Toro nos conta a história de uma garota que é fascinada por histórias de fantasia e que na Espanha de 1944 é levada para a casa de seu padrasto, um oficial militar fascista subordinado do general Franco. E nesse caso fica fácil perceber que a madrasta cruel dos clássicos foi substituído por um padrasto inescrupuloso.




O amigo... da onça

A tal casa fica em uma floresta, e nessa floresta existe um labirinto de pedras. E é nesse labirinto de pedras que Ofélia encontra pela primeira vez o Fauno. Faça as contas: uma garota sem amigos, isolada do mundo por uma vasta floresta em um período de guerra. Não fica difícil perceber que tudo o que a garota precisava era um amigo.

E aí o clima do filme – que já era dark – cai em trevas quase que profundas. O Fauno além de se mostrar amigo, a reverencia como uma princesa de um reino subterrâneo. E a entidade lhe passa três tarefas para que ela pudesse ser levada ao seu reino. E uma garota ingênua como a nossa Ofélia vai sempre ficar encantada com uma coisa dessas e vai cumprir as três tarefas com o maior prazer.

É nessa hora que a gente percebe que Guillermo del Toro é um monstro. No roteiro é possível encontrar elementos de contos famosos, como João e Maria e Alice no País das Maravilhas [que eu só fui perceber depois de uma forçinha] e as famosas histórias dos sapos que beijam as princesas. E a maneira como Del Toro separa os mundos real e fantástico e aos poucos vai os fundindo é simplesmente sensacional. E, sempre lembrando que como esse é um conto de fadas original, as coisas ficam complicadas para a nossa protagonista, interpretada muitíssimo bem pela jovem Ivana Baquero.

Falando em questões técnicas, a coisa vai melhor ainda. A fotografia do filme é qualquer coisa de sensacional, conduzindo o filme eficientemente da maneira como ele foi pensado pra ser - dark. O roteiro, pelo que já pude dizer, é genial [e não ganhou o Oscar, mas o Oscar já ficou caduco há tempos]. Os cenários são de cair o queixo. E esse é um filme essencialmente latino: falado integralmente em espanhol e sendo uma produção México / Espanha, o que é inspirador.

É difícil explicar por que é que o filme se tornou sucesso de público e de crítica, afinal é um conto de fadas. Mas é um conto de fadas genial. Também não é exagero dizer que o filme atingiu o status de obra de arte. Uma obra de arte que pode [talvez] encontrar alguma semelhança distante em Os Irmãos Grimm, de Terry Gilliam.

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno você vai sacar que não foi a toa que o filme ganhou três Oscar e vai sacar porque ele foi aplaudido por 22 minutos após sua exibição em Cannes. E também vai se perguntar se é saudável contar histórias fantásticas ao seu filho na hora de dormir. Medo. Muito medo.



O Labirinto do Fauno (2006)
Guillermo del Toro