O conto de fadas na era moderna

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno [El Laberinto del Fauno, Guillermo del Toro, 2006] muita gente pode se sentir com uma pontadinha de depressão. Não dá pra esperar nada além disso, afinal de contas, Labirinto é um conto de fadas. E não se engane, esse é o conto de fadas em sua concepção original.

O conto de fadas original não é aquele que seu pai e sua mãe costumavam contar pra você na hora de dormir – aquelas cheias de princesas, príncipes e o diabo a quatro - onde no final tudo acaba bem. Nada disso. O conto de fadas original foi criado na idade média, onde os panos de fundo mais comuns eram fome, guerra e miséria. Eram, na realidade, histórias de terror. Não é a toa que a classificação etária para esse filme é 16 anos.

Mas não estamos na Idade Média. Estamos no século XX. E Guillermo del Toro nos conta a história de uma garota que é fascinada por histórias de fantasia e que na Espanha de 1944 é levada para a casa de seu padrasto, um oficial militar fascista subordinado do general Franco. E nesse caso fica fácil perceber que a madrasta cruel dos clássicos foi substituído por um padrasto inescrupuloso.




O amigo... da onça

A tal casa fica em uma floresta, e nessa floresta existe um labirinto de pedras. E é nesse labirinto de pedras que Ofélia encontra pela primeira vez o Fauno. Faça as contas: uma garota sem amigos, isolada do mundo por uma vasta floresta em um período de guerra. Não fica difícil perceber que tudo o que a garota precisava era um amigo.

E aí o clima do filme – que já era dark – cai em trevas quase que profundas. O Fauno além de se mostrar amigo, a reverencia como uma princesa de um reino subterrâneo. E a entidade lhe passa três tarefas para que ela pudesse ser levada ao seu reino. E uma garota ingênua como a nossa Ofélia vai sempre ficar encantada com uma coisa dessas e vai cumprir as três tarefas com o maior prazer.

É nessa hora que a gente percebe que Guillermo del Toro é um monstro. No roteiro é possível encontrar elementos de contos famosos, como João e Maria e Alice no País das Maravilhas [que eu só fui perceber depois de uma forçinha] e as famosas histórias dos sapos que beijam as princesas. E a maneira como Del Toro separa os mundos real e fantástico e aos poucos vai os fundindo é simplesmente sensacional. E, sempre lembrando que como esse é um conto de fadas original, as coisas ficam complicadas para a nossa protagonista, interpretada muitíssimo bem pela jovem Ivana Baquero.

Falando em questões técnicas, a coisa vai melhor ainda. A fotografia do filme é qualquer coisa de sensacional, conduzindo o filme eficientemente da maneira como ele foi pensado pra ser - dark. O roteiro, pelo que já pude dizer, é genial [e não ganhou o Oscar, mas o Oscar já ficou caduco há tempos]. Os cenários são de cair o queixo. E esse é um filme essencialmente latino: falado integralmente em espanhol e sendo uma produção México / Espanha, o que é inspirador.

É difícil explicar por que é que o filme se tornou sucesso de público e de crítica, afinal é um conto de fadas. Mas é um conto de fadas genial. Também não é exagero dizer que o filme atingiu o status de obra de arte. Uma obra de arte que pode [talvez] encontrar alguma semelhança distante em Os Irmãos Grimm, de Terry Gilliam.

Ao terminar de assistir O Labirinto do Fauno você vai sacar que não foi a toa que o filme ganhou três Oscar e vai sacar porque ele foi aplaudido por 22 minutos após sua exibição em Cannes. E também vai se perguntar se é saudável contar histórias fantásticas ao seu filho na hora de dormir. Medo. Muito medo.



O Labirinto do Fauno (2006)
Guillermo del Toro











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